Os evangélicos brasileiros formam um contingente que equivale a duas vezes e meia a população de Portugal. E os números não param de aumentar. Templos gigantescos, controles de meios de comunicação, conversões em massa, representantes no Congresso Nacional. Embora uma explosão numérica tenha acontecido nas últimas décadas, os protestantes aportaram aqui no século XVI, tempo em que os católicos portugueses mal tinham se espalhado pela costa brasileira. A colonização do Brasil, iniciada sob o impacto das disputas entre a igreja de Roma e os protestantes, reproduziu ao longo dos séculos XVI e XVII as querelas religiosas do tempo de Lutero e Calvino. Aceitos no país definitivamente apenas na época de D.João VI, os cristãos reformados chegaram em massa ao Brasil no século XIX. O protestantismo se manifestou de diversas formas até o século XX, quando surgiram os movimentos pentecostais.
Primeiros Mártires Protestantes
A presença protestante no Brasil data do período colonial
(1500-1822). Os franceses que invadiram o Rio de Janeiro no século XVI, em
busca do pau-brasil e de refúgio religioso, eram huguenotes, isto é, reformados
de origem francesa. Foram eles que oficializaram, em 1556, o primeiro culto
protestante no Brasil. Disputas religiosas que já vinham da França dividiram,
no entanto a comunidade, e os protestantes foram obrigados a voltar para a
Europa. Os três religiosos que resistiram à intolerância do comandante Frances
Nicolau Villegaingnon foram mortos, e são considerados os primeiros mártires
protestantes no Brasil.
No século seguinte, em 1624, os holandeses da Companhia das Índias
Ocidentais, interessados no comércio do açúcar e outros produtos tropicais,
invadiram a Bahia, eles atacaram Pernambuco em 1630 e conquistaram parte da
atual Região Nordeste, onde permaneceram até 1654. Nesse período, organizaram a
Igreja Cristã Reformada, que funcionava com uma estrutura administrativa
similar à européia, oferecendo escola dominical e evangelização aos indígenas e
africanos.
Luta Por Território
Durante o período holandês, especialmente no governo de Maurício
de Nassau (1637-1644), experimentou-se pela primeira vez no Brasil um clima de
tolerância religiosa. Católicos, protestantes e judeus conviviam então
pacificamente. Conforme o historiador Frans Schalkwiijk, citando um pastor
holandês da época, “essa liberdade era tão grande que se não achava assim em
nenhum lugar”.
Com a expulsão dos holandeses, em 1654, tudo voltou ao que era
antes: as congregações reformadas desapareceram da colônia, restando o estigma
do protestante estrangeiro, visto como “herege invasor” pelo padre Antônio
Vieira (1608- 1697), que vivia na Bahia na época da invasão flamenga. A
presença sistemática do protestantismo no Brasil, só ocorreria bem depois, na
primeira metade do século XIX, após a chegada da corte portuguesa, em
decorrência de uma conjunção de fatores de ordem econômica e política.
A disputa pela hegemonia político-econômica na Europa dos finais
do século XVIII, entre a França e a Inglaterra, provocou conseqüências para os
países europeus e suas colônias. Encurralada pelo bloqueio continental, imposto
por Napoleão em 1807, a
Inglaterra encontrou em Portugal uma brecha para não ser asfixiada
economicamente. A colônia portuguesa na América seria o escoadouro da sua
produção industrial, a solução para o boicote da França. Os interesses
britânicos na transferência da corte de d. João para o Brasil culminaram na
assinatura, em 1810, de dois tratados: O tratado da Aliança e Amizade e o de
Comércio e Navegação. O novo cenário afetaria sobremaneira o quadro religioso
brasileiro, tradicionalmente dominado pelo catolicismo.
Tratados de Paz
Como nação protestante, a Inglaterra garantiu para os seus súditos
privilégios de caráter religioso sem precedentes, que se opunham frontalmente,
aqui, ao monopólio da Igreja Católica. O Tratado de navegação e Comércio declarava
em seu artigo 12, que “os vassalos de SM Britânica residentes nos territórios e
domínios portugueses não seriam perturbados, inquietados, perseguidos ou
molestados por causa de sua religião, e teriam perfeita liberdade de
consciência, bem como licença para assistirem e celebrarem o serviço em honra a
Deus, quer dentro de suas casas particulares, nas igrejas e capelas...”
Chegada da Igreja Anglicana no Brasil
A partir da primeira década do século XIX, centenas de
comerciantes ingleses se estabeleceram na sede da monarquia e nas principais
cidades, usufruindo todas as garantias e privilégios a eles concedidos pelo
governo luso-brasileiro. Os britânicos estabeleceram a Igreja Anglicana no Rio
de Janeiro, a Chist Church, lançando a pedra fundamental do seu templo em 1819.
Nas grandes cidades onde havia empreendimentos ingleses, foram construídas
capelas, templos e cemitérios britânicos, pois no período as necrópoles estavam
sob a guarda da Igreja Católica, que não permitia o enterro dos protestantes nos
seus sítios.
Formação das Comunidades Evangélicas
Outro fator que interferiu no quadro religioso foi a política
migratória. Buscava-se resolver o problema da mão-de-obra, composta em grande
parte por escravos, e os imigrantes europeus eram uma alternativa viável. A
colônia de São Leopoldo, criada em 1824 no Rio Grande do sul, compunha-se de
católicos e protestantes, especialmente luteranos vindos da Alemanha. Outras
colônias alemãs se instalaram em Santa Catarina, Paraná e Espírito Santo, Rio
de Janeiro e Minas Gerais. Os colonos plantavam nas lavouras, fundavam
comunidades evangélicas independentes e escolas paroquiais, de língua Germânica
para os filhos.
Inicialmente as comunidades evangélicas ficaram praticamente
desassistidas, contando com pastores leigos escolhidos entre os próprios
colonos, e sem formação teológica. Somente a partir de 1886, a Igreja luterana da
Alemanha começou a enviar pastores para o país, fundando-se então a Igreja
Evangélica Alemã no Brasil e o Sínodo Rio-grandense. Posteriormente, foram
criados sínodos em outras províncias.
Primeiros Missionários Estrangeiros
Um fator que contribuiu para a vinda dos missionários estrangeiros
foi o avivamento religioso ocorrido na Europa no final do século XVIII e que se
difundiu para os Estados Unidos na virada do Século XIX. Em decorrência
do fervor evangelístico, várias sociedades missionárias foram organizadas nas
primeiras décadas do século XIX com o objetivo de converter almas.
O contexto socioeconômico e político dos Estados Unidos
desempenhou um papel importante nesse processo. Dentre os 10 mil sulistas que
deixaram os Estados Unidos após a guerra de Secessão (1861-1865), cerca de dois
mil se radicalizaram no Brasil. Faziam parte desse grupo alguns líderes
religiosos que não só exerciam funções pastorais, mas se transformaram em
verdadeiros agentes a serviço da imigração, a exemplo de Bellard Smith Dunn que
se estabeleceu em juquiá, litoral paulista. Para ele, o Brasil era a nova Canaã,
a terra prometida onde os derrotados da guerra civil poderiam reconstruir suas
vidas.
Outro fator importante foi a intensificação do comércio entre
Brasil e Estados Unidos, após 1860. As missões protestantes faziam parte de um
movimento de expansão norte-americana na América Latina. Os missionários que
chegaram ao Brasil eram homens do seu tempo- da expansão capitalista dos
Estados Unidos. Não por acaso, os primeiros missionários batistas a chegarem ao
Brasil, desembarcaram no Rio de Janeiro, no navio da companhia da família
Levering, família batista que aqui negociava com café.
Inicio da Igreja Presbiteriana e Metodista no Brasil
A Igreja Evangélica Fluminense (congregacional), fundada em 1858
no rio de Janeiro, foi o primeiro grupo protestante de origem missionária no
Brasil. Em 1862, estabeleceu-se a Igreja Presbiteriana em São Paulo e a Igreja
Metodista. Praticavam uma liturgia copiada do modelo americano e prescrevia uma
ética rigorosa, que se definia em oposição à religião do Império, que já consideravam
a sociedade brasileira pecadora, atrasada e condenável pela influência do
catolicismo.
Oposição e Consolidação da Presença Evangélica no País
A hierarquia católica sempre reagiu à concorrência, porém nenhum
outro fato agravou tanto as tensas relações entre católicos e protestantes no
Brasil quanto à aprovação, pelo Senado imperial, da liberdade de culto. Quando
da tramitação do projeto em 1888, o arcebispo-primaz no Brasil protestou com
veemência contra aquilo que em sua opinião, “dissolveria entre os brasileiros a
unidade de doutrina em matéria de fé”. Com o advento da República-que separou a
Igreja do Estado- caíram as últimas amarras jurídicas que cerceavam a atuação
dos evangélicos, propiciando a consolidação do protestantismo no país.
Por Wilma Rejane.
Fonte: Elisete da Silva
doutora em História Social, professora da Universidade Estadual de Feira de
Santana (BA) e autora da tese Cidadãos de outra pátria: anglicanos e batistas
na Bahia (São Paulo, FFLCH-USP, 1998). Publicado na Revista Nossa História
Edição 38.
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